Retratos de um tempo – Um novo olhar sobre a Cidade da Bahia | A TARDE
Atarde > Muito

Retratos de um tempo – Um novo olhar sobre a Cidade da Bahia

Confira a coluna Olhares desse domingo

Publicado domingo, 14 de abril de 2024 às 04:41 h | Autor: Celso Cunha Neto*
Engenheiro e artista visual Floro Freire
Engenheiro e artista visual Floro Freire -

Com o título Retratos de um tempo – Um novo olhar sobre a Cidade da Bahia, o engenheiro e artista visual Floro Freire nos convida a conhecer uma Salvador do século 19, mediante grandes painéis pictóricos que retratam várias imagens da fachada ocidental da cidade na exposição em cartaz no Museu de Arte da Bahia. Esta exposição homenageia, devidamente, Salvador no seu aniversário de 475 anos. Foi aberta ao público dia 4 de abril. Para o visitante, é como deparar-se com a primeira folha impressa de um livro, também chamado de frontispício, despertando o leitor para adentrar no mundo interior da atual Salvador, a Cidade da Baía.

Essa mostra, apresentando painéis de grandes dimensões impressos em Fine Art sobre Canvas, técnica de impressão de qualidade fotográfica sobre tela, é resultado de muitos anos de extenuante e importante trabalho de restauração de históricas fotografias do século 19. Dentre eles, Murlock, Vedani, Gaensly, Ferrez, Schieier e Lindemann, que registraram a evolução do frontispício da cidade.

As imagens, cuidadosamente pesquisadas e selecionadas com auxílio do antropólogo e historiador Antonio Risério, foram recompostas em suas juntas, corrigindo-se falhas da composição original. Parcelas perdidas de detalhes das imagens foram restauradas, com um apuro de laboratório fotográfico, utilizando-se para isso os recursos da computação gráfica. Trabalho que apesar de só ser possível graças ao inestimável auxílio da computação gráfica e seus recursos, é extenuante, e, a rigor, artesanal, enquanto depende diretamente das mãos do artista/pesquisador.

Feitas essas correções básicas, o autor, com uma vasta gama de pincéis obtidos da sua prancheta digital, recompõe pixel a pixel, cromaticamente, toda a beleza e poesia de momentos mágicos que esses percussores da arte e técnica da fotografia registraram com extrema dificuldade e muito trabalho, há 100 ou mais anos passados, apesar das limitações tecnológicas da sua época.

Usando uma abordagem aproximada do impressionismo, na forma como aplica as pinceladas sobre a base fotográfica digitalizada, Floro confere, além de maior plasticidade e dramaticidade às imagens em preto e branco originais, uma poética subliminar típica das pinturas realizadas em técnica de pintura tradicional. Decerto, esse é o diferencial de seus trabalhos, não são somente resgates de fotos históricas, como outros conhecidos.

Portanto, Floro ultrapassa os limites da reconstituição pura de reproduções antigas de modo que, com um olhar e abordagem contemporâneos, ao convertê-las em objetos atrativos ao olhar, consegue popularizar essas imagens para além do público de historiadores e urbanistas, de estudiosos e apreciadores de artes visuais, alcançando também as classes estudantis, os jovens em formação.

Salvador, cidade que já nasceu planejada na prancheta do arquiteto Luís Dias baseado na traça (plano) de Miguel de Arruda, ainda no século 15, em um Portugal voltado para o futuro quando vislumbrava um desdobramento geográfico, econômico e cultural da Luzitânia do ultramar. Uma capital planejada com o que havia de mais moderno e funcional das tecnologias de construção civil e militar da época, com um traçado ortogonal sem a rigidez hispânica, porém oferecendo a oportunidade da negociação com a topografia exigente da cidade de então.

Uma cidade que deslumbra quem adentra sua imensa e bela Baía de Todos os Santos e se depara com a longa falha geológica, seu dramático frontispício, que recorta longitudinalmente Salvador do Porto da Barra até o início do subúrbio e se estende até o município de Simões Filho e mais, conferindo a Salvador “uma cicatriz da antiga fratura” que possibilitou a invasão do oceano Atlântico modelando sua magnífica Baía de Todos os Santos. Beleza barroca por excelência, que Floro Freire, esse artesão da informática, nos oferta com natural generosidade.

Essa obra grandiosa histórica assinada pelo engenheiro eletricista de título e urbanista/artista visual de alma, baiano de Itambé, incansável pesquisador e estoico domador de pixels, será certamente um dos melhores e maiores documentos iconográficos legados aos atuais e futuros pesquisadores da nossa história de Salvador da Bahia.

Visita obrigatória para todos os estudantes do estado da Bahia e demais, na medida em que a exposição oferece um percurso didático excelente tanto no aspecto de conteúdos históricos quanto visuais. Oferece também uma oportunidade de experimentar o espaço museológico, tão pouco conhecido pela grande maioria dos estudantes e população baiana. As visitas de grupos estudantis, desde que agendadas com o Museu de Arte da Bahia, serão muito bem-vindas e contarão com o acompanhamento competente de um técnico do museu.

Importante observar que é nesse momento que devemos despertar na nova geração o sentimento de pertencimento. Pertencimento ao seu povo, à sua cultura, à sua origem e, principalmente, ao local de seu nascimento ou domicílio.

Ademais, contando com esse rico material, identificamos facilmente um grande potencial de viabilidade cultural, na medida em que possibilitaria a produção e posterior instalação desses grandes painéis em secretarias, órgão públicos, museus, restaurantes. Além, é claro, da sua reprodução em livros, mídias eletrônicas e físicas.

Essa exposição no Museu de Arte da Bahia contribui fortemente na manutenção da memória cultural de Salvador. Exposição que não poderia ter encontrado melhor espaço para se instalar, pois o Museu de Arte da Bahia, mais conhecido com MAB, é um museu público do Estado da Bahia, situado na capital Salvador na Avenida Sete de Setembro, Corredor da Vitória.

Trata-se do museu mais antigo da Bahia e um dos mais antigos do Brasil. Ele começou como depositário do patrimônio etnográfico, histórico e científico da Bahia. Com o decorrer dos anos, atualizou-se como um espaço museológico devotado principalmente às artes visuais.

Seu rico acervo é composto por aproximadamente 5 mil obras de grande importância histórica e artística, composta de diversas coleções baianas desde o século 19, principalmente as de Góis Calmon e o colecionador e médico inglês Jonathas Abott. Dentre elas, uma riquíssima coleção de pinturas da Escola Baiana, assim como outras.

Em 1982, o Museu de Arte da Bahia foi instalado no Palácio da Vitória, onde conta com uma biblioteca especializada com aproximadamente 12 mil livros e um auditório. Uma oportunidade para todos conhecerem o MAB e esse reencontro com nossa capital, a primeira do Brasil.

*Celso Cunha Neto* | Arquiteto e artista visual [email protected]

* O conteúdo assinado e publicado na coluna Olhares não expressa, necessariamente, a opinião de A TARDE

Publicações relacionadas