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Elas na literatura: escritoras são maioria na Bienal do Livro

Bienal apresenta uma programação com 60% de presença feminina nas sessões

Publicado segunda-feira, 22 de abril de 2024 às 10:00 h | Autor: Gilson Jorge
documentarista e ativista indígena Glicéria Tupinambá participa da mesa A Memória do Mundo
documentarista e ativista indígena Glicéria Tupinambá participa da mesa A Memória do Mundo -

A carreira da escritora baiana Vanessa Reis teve um marco importante em 2019, quando ela começou a pesquisar por livros com histórias de amor protagonizadas por pessoas com deficiências (PCD) e não encontrou obras brasileiras. A servidora pública que escrevia desde a infância decidiu, então, que ela iria contar essa história.

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Assim surgiu Interseção, o relato de uma trabalhadora que implica com seu novo colega de escritório, até que desse atrito surge um sentimento romântico. Vanessa considera que o protagonismo das PCD tem ganhado espaço em publicações independentes, mas ainda é tabu no mercado editorial.

Mas a escritora afirma receber respostas positivas de quem já leu a história: "Muitas mulheres com deficiência me mandam mensagens, dizendo que conseguiram se ver no livro. A gente consegue sentir uma boa receptividade", comemora Vanessa, que cita o comentário de uma leitora que afirmou ter conseguido se enxergar em uma história de amor sem precisar fazer uma construção mental das cenas.

Publicado virtualmente pelo site Amazon, o livro chamou a atenção da Editora Record, que lança a obra impressa durante a Bienal do Livro Bahia, que acontece de 26 de abril a 1° de maio, no Centro de Convenções Salvador. O lançamento acontece no dia 30, mas a previsão é que amanhã Interseção já poderá ser encontrado nas livrarias.

Vanessa lembra a surpresa que teve ao receber um e-mail em nome da Editora Record, em 8 de novembro de 2023, com o convite para publicar seu livro. "Eu levei um susto, achei que era trote", comenta a escritora, que trabalha como responsável técnica pelo programa Minha Casa Minha Vida em Jacobina.

Sua cidade não tem festa literária e nem mesmo uma livraria. Por isso, Vanessa, que nunca participou de uma bienal, está ansiosa para estar no evento, que este ano tem como lema As Histórias que a Bahia Conta, e traz nomes como Bruna Lombardi, Scholastique Mukasonga, Thalita Rebouças e Itamar Vieira Júnior, além da cantora Daniela Mercury, e apresenta uma programação com 60% de presença feminina nas sessões.

Novas histórias

Algumas delas, mulheres baianas que estão contando novas histórias, como a poeta e produtora cultural Nega Fyah, que escreve desde os 12 anos de idade e tem como temas recorrentes o feminismo e o antirracismo. "Eu sempre tive a perspectiva da escrita em diários. E a partir do momento que eu vou para a adolescência conheço o Sarau Bem Black", lembra a poeta, referindo-se ao evento que em 2011 começou a levar ao Pelourinho pessoas interessadas em literatura negra e que influenciou uma gama de saraus soteropolitanos.

Aos 16 anos, Nega Fyah também passou a frequentar o Sarau da Onça, cada vez mais convicta do que queria fazer. "A partir dali eu vi que queria levar minha poesia para o mundo", afirma a escritora, que em 2018 representou o Brasil no mundial de poesia falada, disputado durante a Festa Literária das Periferias (Flup), no Rio de Janeiro.

Em sua apresentação, Nega Fyah declamou um emocionado texto sobre violência policial contra a juventude negra, citando a Chacina do Cabula, como ficou conhecido o episódio de 2015 em que nove policiais executaram 12 jovens negros, com idades entre 16 e 27 anos. Nega Fyah também citou o caso do adolescente Davi Fiúza, que em 2014 foi jogado dentro de um carro sem plotagem durante uma abordagem policial em seu bairro, São Cristóvão, e nunca mais voltou para casa.

Somos pássaros que andam

Entre as não-escritoras, um dos destaques da Bienal é a documentarista e ativista indígena Glicéria Tupinambá, que lidera a representação brasileira na Bienal de Veneza 2024, aberta oficialmente na última sexta-feira. A principal obra do Pavilhão do Brasil é a exposição Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, obra de Glicéria, também conhecida como Célia Tupinambá, vencedora do Prêmio Pipa 2023.

Em entrevista por telefone desde a Itália, Célia destacou a importância do audiovisual para causas urgentes, como a questão das terras indígenas. "Um filme chega muito mais rápido às pessoas do que um documento escrito", declara a cineasta, que é uma das atrações do filme As Indígenas da Terra, escrito e dirigido por Dayse Porto e Joana Brandão, que estreia amanhã, às 20h, na programação da TVE Bahia.

Nascida no sul da Bahia, na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Célia foi professora na Serra do Padeiro, onde cria seus dois filhos, Erutawã Silva Santos, 14 anos, e Ory Tupinambá Jesus da Silva, 8 anos. Aliás, foi com a idade de seu caçula que Célia descobriu que seu modo de vida estava ameaçado, quando pela primeira vez ela se deparou, a caminho do rio, com uma cerca colocada por um fazendeiro.

"De alguma forma, a infância de meus filhos está sendo melhor, porque há o convívio na terra, mas também a informação está mais fácil", afirma a artista, que participa da Bienal do Livro Bahia no dia 28, na mesa A Memória do Mundo.

Prioridade

A GL Events, empresa francesa que administra o Centro de Convenções Salvador e, por extensão, a Bienal de Livros Bahia, destaca a ênfase na participação de mulheres. "A gente tem uma prioridade de presença feminina na programação, assim como em todas as sessões da Bienal há pelo menos um autor ou mediador baiano", afirma a diretora da Bienal da Bahia, Tatiana Zaccaro.

Na Academia Brasileira de Letras, as mulheres ocupam apenas quatro das 40 cadeiras no quadro atual de imortais. Na Academia de Letras da Bahia, a representação feminina é maior, com 11 escritoras em um total de 40 integrantes. Tatiana ressalta que a desigualdade segue o padrão da sociedade como um todo.

"É um reflexo do mundo. Não é uma coisa das academias de letras. Qualquer pesquisa que a gente lê sobre a quantidade de mulheres em cargos de gestão, diretoria de empresas, esse índice vem aumentando, felizmente, mas isso ainda é minoritário", afirma a executiva, citando a herança histórica de hegemonia masculina contra a qual as mulheres estão lutando.

Tatiana considera que, nas letras, o caminho natural é que haja cada vez mais mulheres em posições de destaque porque há mais mulheres escrevendo a cada ano. "Há grandes autoras agora que devem chegar à Academia Brasileira de Letras", afirma a executiva.

Sobre a programação da Bienal, Tatiana afirma que o evento traz destaques da atualidade. "Você tem desde um Raphael Montes, que estourou com o Bom dia, Verônica (livro escrito em parceria com Ilana Casoy), Thalita Rebouças, lançando na Bahia o seu primeiro adulto, de poesia, Felicidade Inegociável e outras rimas", diz a executiva.

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