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Conexões indígenas em uma fogueira virtual

Conheça o projeto Indígenas e Diversidade para Paz

Publicado domingo, 14 de abril de 2024 às 09:41 h | Autor: Pedro Hijo
Projeto vai promover uma roda de conversa aberta ao público
Projeto vai promover uma roda de conversa aberta ao público -

“No período da invasão, nós, tupinambás, fomos os primeiros a ter contato com o povo não indígena”, conta o educador Itákuatiará Kuarasy, com nome de registro Herbert de Almeida Santos, 23 anos. “Foi a etnia que mais sofreu massacres, violações e assédios”. Com o objetivo de registrar as agressões sofridas por tubinambás atualmente, o jovem tem feito um curso de produção de vídeos.

Herbert também pretende documentar o conhecimento de anciãos do seu povo: “Essa produção é para que os mais novos tenham acesso aos mais velhos que não estarão presentes e não esqueçam a luta, que a gente vai vencer”. O curso tem etapas online e presencial e é oferecido pela ONG Thydêwá, de Ilhéus, no sul da Bahia.

O educador é um dos 70 alunos do projeto Indígenas e Diversidade para Paz, sendo um dos 40 estudantes da Bahia. “A gente vem documentando a luta do povo tupinambá. Os mais novos vão saber que os que vieram antes lutaram muito”, diz Herbert, que também trabalha como bartender e técnico de turismo na região.

Imagem ilustrativa da imagem Conexões indígenas em uma fogueira virtual

Outra aluna do projeto na Bahia, a educadora Yawany Tupinambá, com nome de registro Priscila Amaral de Jesus, 38 anos, tem aproveitado o aprendizado em sala de aula. “Por exemplo, eu faço um vídeo fora da sala, na mata, e mostro para os alunos. Assim, a gente socializa dentro da sala de aula sobre aquele tema”, conta Priscila.

Na próxima sexta-feira, 19 de abril, quando é celebrado o Dia dos Povos Indígenas, o projeto vai promover uma roda de conversa aberta ao público. Na reunião, batizada pelos organizadores de Fogueira Digital – pela semelhança com o hábito de conversar em torno de uma fogueira indígena – professores e alunos do curso vão debater caminhos para a paz e diversidade com o público externo.

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O evento é promovido pela Thydêwá e patrocinado pela empresa Neoenergia Coelba e pelo Instituto Neoenergia via edital do Fazcultura, do governo do estado. Fundada há 22 anos, a ONG já realizou 55 projetos com o objetivo de fomentar a paz e recebeu 13 prêmios, incluindo um reconhecimento pela promoção da igualdade racial pelo governo federal.

Esperança da terra

A Thydêwá tem cinco sócios, sendo quatro deles indígenas. O quinto é o fundador da organização, o jornalista e publicitário argentino Sebastian Gerlic. Ele explica que a palavra que dá nome à ONG significa “esperança da terra” e é comum a diversas etnias indígenas no Nordeste, como Pankararú e Kariri-Xocó.

Sebastian diz que a ideia da organização nasceu em 2000, depois de uma manifestação indígena em Porto Seguro, no sul da Bahia. “Houve uma violência muito grande no estado, bombardearem indígenas. Como publicitário, sabia usar a comunicação e decidi ensinar aos indígenas para que eles próprios contassem suas histórias”.

A primeira meta foi combater o preconceito aos povos originários em escolas. “A gente começou a trabalhar um material didático em que indígenas de diferentes etnias escreviam suas histórias, fotos, sentimentos e testemunhos”. O governo do estado levou a coleção de livros produzida pela ONG para as escolas. O próximo passo foi conectar as comunidades com a internet.

Em salas de bate-papo online, pessoas de todo o país conversavam com comunidades na Bahia. “E elas desmistificavam a ideia romântica do que é ser indígena”, explica Sebastian. O projeto Indígenas e Diversidade para Paz, que envolve o curso de audiovisual e a Fogueira Digital, é uma nova etapa desse processo que começou há 22 anos.

O curso ainda está na primeira fase, que teve início há duas semanas e terá, ao todo, a duração de três meses, com a formação online de 70 indígenas para a produção de vídeos. “Teremos também uma parte presencial, onde vamos escolher sete alunos de diferentes etnias para, juntos com professores, escreverem um guia de orientação pela promoção da paz”, diz o sócio da ONG.

Audiovisual

Com alunos entre 16 e 60 anos, o curso, explica Sebastian, não tem necessariamente a pretensão de formar criadores de conteúdo online, mas que as pessoas entendam o potencial do audiovisual: “O celular é uma arma que serve para a preservação de histórias, valores, línguas e ciências desses povos, e também para mostrar ao mundo de fora quem eles são”.

Sem condição financeira de comprar câmeras fotográficas profissionais, a maioria dos colegas, diz Herbert, tem aprendido a aproveitar ao máximo os celulares. “A gente está criando um audiobook gravando os ensinamentos dos nossos anciãos através da oralidade”. Ao mesmo tempo, o educador produz um curta-metragem.

O vídeo será sobre um manto tupinambá que foi levado para a Dinamarca em 1699 e deve retornar para o Brasil neste ano, para o Museu Nacional do Rio de Janeiro. “Esse retorno do manto – que representa o mais velho ancião – já era previsto, tinha profecias de que ele ia voltar', celebra. "É um momento de muita felicidade. Com ele, vem nossa força e nossa ancestralidade”.

Em contato com outras etnias indígenas na ONG Thydêwá, Herbert conta que um dos fatores que gosta na ONG é a relação multicultural. “A experiência tem sido muito rica, porque eu aprendo sobre a etnia do próximo, passo a conhecer a dor e a felicidade do outro”. O educador conta que tem bastante contato com as novas tecnologias.

Já Priscila admite que ainda é leiga na área. Para se aprofundar no tema, a educadora, filha da primeira cacica tupinambá da Bahia, Jamopoty, entrou no curso: “A gente está aprendendo como fazer vídeo e como usar o celular como uma fonte de tecnologia”. A professora conta que os vídeos tm atraído a atenção de seus alunos. “Eles ficam com vontade de aprender”.

Em meio às formações educativas, a Fogueira Digital dá início à outra dimensão do projeto, voltado a diálogos interculturais. De acordo com a organização do encontro, o evento abrirá espaço para o combate de estereótipos, a exposição de violências sofridas por indígenas e a formação de alianças com professores e gestores de escolas públicas.

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