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"O fim último da moradia é o bem-estar"

Publicado sábado, 20 de julho de 2019 às 16:10 h | Atualizado em 20/07/2019, 16:20 | Autor: Mariana Bamberg I Foto: Shirley Stolze I Ag. A TARDE
Alejandro Castañé reuniu especialistas no assunto
Alejandro Castañé reuniu especialistas no assunto -

Repensar a cidade como o palco propulsor para e felicidade social entrou na pauta do mercado imobiliário. Por conta disso, o argentino Alejandro Castañé, diretor-geral de projetos de inteligência coletiva e inovações urbanas da empresa Garimpo Soluções, veio ao X Fórum de Sustentabilidade da Ademi-BA, que reuniu especialistas no assunto quinta-feira (18). Em Cidade Feliz, Cidade Criativa – Utopia ou Possibilidade, palestra que ministrou no evento, Alejandro discutiu como o mercado imobiliário pode contribuir para o bem-estar dos moradores das cidades.

Sua palestra no evento chamou-se Cidade Criativa, Cidade Feliz – Utopia ou Felicidade. Como seria esse modelo ideal de cidade?

Nós compramos muito modelos de fora. Quando estamos falando de uma cidade, temos primeiro a população, questões históricas e climáticas. Cada cidade é diferente e os modelos também precisam ser diferentes. Não tem um ideal. É preciso escutar quais as necessidades das pessoas naquele momento, naquele lugar. A gente olha muito o que cidades holandesas estão fazendo. Mas não deve ser olhado como a cidade e sim como o grupo, como a comunidade ativa. Eles vêm trazendo há 60 anos esse sentimento de comunidade.

Como você enxerga o comportamento do mercado imobiliário nessa busca por um modelo ideal de cidade?

O mercado imobiliário tem mudado muito nesses últimos anos. Ele percebeu que o consumidor mudou, a necessidade mudou. O consumidor quer que seja eficiente, sustentável e está disposto a pagar mais por isso. O mercado está olhando essa nova necessidade e passou a dar a atenção que não tinha para a sustentabilidade, e isso não é só para o consumidor com maior renda. Temos casas do Minha Casa, Minha Vida com painéis solares, eficiência na água. Esse crescimento tem cerca de 15 anos. Ainda é pouco, mas é um começo. A Europa, agora em maio, estipulou que os materiais sólidos de demolições devem ser zero. Tudo vai ser reciclado. É Europa, claro. Eles já vêm com um trabalho de economia circular há algum tempo. A gente reconhece que é um modelo distante, mas é para onde o mundo está indo.

Como, na prática, os empreendimentos chamados de impactos urbanos positivos podem afetar e melhorar a vida e a rotina das cidades?

Nós temos o que é e o que deve ser. A grande necessidade, principalmente da classe trabalhadora, é estar perto do trabalho, só que a renda não alcança. Esse é um problema em toda parte do mundo. Tem lugares nos Estados Unidos que a classe trabalhadora não pode ficar na mesma cidade. E não vamos tão longe. Pense em Santos. A classe trabalhadora não está mais lá, está indo para Ilha Bela. Por isso surgiram fenômenos como apartamentos de 35 m², quando até a própria Organização Mundial da Saúde recomenda um espaço maior. Em contrapartida, também temos muito espaço ocioso. Então o que nós estamos precisando é de eficiência na sustentabilidade. E injetando pequenas melhorias, como eficiência na água, painéis solares, tratamento de lixo, já temos certa eficiência. O fim último da moradia é o bem-estar. Isso influencia até na questão da ansiedade.

Essas mudanças, em maior proporção, devem ser responsabilidade do poder público, do empresariado ou da população?

De todos os lados. A única forma de manter com o tempo é quando as pessoas que também votam, que consomem, que moram e vivem também tomam essas mudanças como suas causas, também levantam essa bandeira. Um governo dura quatro anos, depois muda a política, o gestor, muda tudo. Na Colômbia, o grupo que está trabalhando tem os líderes de opiniões, líderes empresariais, das academias. Você não escuta ninguém do governo falar "a gente planificou, a gente fez". Vão mudando os governos e o trabalho continua, todo mundo quer uma boa cidade. Em Nova Iorque a mesma coisa, pequenos grupos se juntam para uma pequena melhoria. Se você trabalha sozinho, o impacto vai ser pequeno.

Nesse processo de mudança, como você enxerga Salvador e as grandes cidades brasileiras?

Estamos melhorando. São Paulo, por exemplo, está muito mais amigável para as pessoas. Já temos ruas que se fecham em um senso de comunidade, já temos a segurança de poder visitar um espaço aberto com a família. No Sul também vemos muito isso. Ainda temos questões da insegurança. Mas estamos tendo um grande leque de possibilidades, estamos indo para melhor. Temos uma cidadania mais ativa, o mercado está mais maduro e as empresas estão sentindo mais isso. Quando eu estava vindo para Salvador, escutei que 38 hotéis fecharam. É péssimo, mas é uma oportunidade para enxergar o que estamos fazendo mal e aonde queremos chegar. Isso é sustentabilidade também. Pelo que está na agenda pública, Salvador está indo bem. Mas é preciso que essas mudanças tenham como principal beneficiário o cidadão. Não é o turista.

É possível reinventar uma cidade com histórico negativo em taxas de desenvolvimento social e urbanístico?

Só para se ter uma ideia, esta semana o melhor destino turístico foi a Colômbia. Quinze anos atrás ninguém andava lá, por conta das guerrilhas, da violência. Eles venceram essas mudanças. Medellín, por exemplo, chegou a um ponto que estava no fundo da necessidade de mudança. A violência e a corrupção afetavam todo mundo. Começou com um grupo de empresários, depois pessoas da academia e mudança nas pessoas. Foi uma tentativa. Tiveram muito apoio internacional. Um investimento forte em infraestrutura, uma mudança radical, mas a maior mudança foi na forma de pensar das pessoas. Tem modelos, experiências que vêm fazendo essa mudança. Mas cada cidade tem suas peculiaridades.

*Sob a supervisão da editora Cassandra Barteló

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