MÚSICA
Trio Opanijé se firma como o grande nome do rap na Bahia

Por Chico Castro Jr.

Todo grito de povo oprimido/ escravizado comove. Quando esse grito é emitido com sensibilidade artística sofisticada e consciência de sua origem e história, transcende tudo e se torna a trilha sonora de revoluções.
É com essa sensibilidade que o trio local de hip hop Opanijé surge: um grito que clama pela revolução, à frente da sua época e ancestral ao mesmo tempo.
O Opanijé vem com um discurso verbal e musical afiado como navalha - Panteras Negras da Soterópolis pós-derrocada da proverbial cortesia baiana, Public Enemy no terreiro.
A referência ao cultuado grupo norte-americano do rap combativo old school não é à toa.
Em junho do ano passado, o MC do Public Enemy, Chuck D., escreveu em sua conta de Twitter: "Excelente isso que o rap pelo mundo a fora tem feito, deixando o mainstream dos EUA parecerem ultrapassado", seguido do link para o clipe da faixa Se Diz no YouTube (19.498 visualizações até domingo).
Formado em 2005 pelos irmãos Lázaro Erê e Rone Dum Dum com o DJ Chiba D, o Opanijé casa hip hop de combate com as muitas tradições afrobaianas de forma harmoniosa em seu primeiro CD, lançado no início do ano pelo selo local Garimpo Música, em parceria com o Conexão Vivo (via Fazcultura) e o produtor andré t.
O nome, Opanijé, é tanto um toque quanto uma dança sagrada do candomblé, além de uma sigla: Organização Popular Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente. "Gostem ou não, o Opanijé é isso. Não estamos aqui para agradar a indústria ou seguir tendências. Somos o que somos", reivindica Lázaro.
Esclarecimento é essencial
No disco, verdadeira joia da música baiana recente, o trio de discurso forte e trato cortês aborda as questões de sempre (racismo, exclusão, pobreza, violência, fome e até o machismo), mas com objetividade e virulência poucas vezes vista.
"Ser oprimido não tem poesia como você pensa/ Ideia neonazista que se alastra feito doença/ Pensaram que a gente iria assistir calado na defensiva/ Enquanto vocês transformam mães-pretas em mortas-vivas", mandam os MCs, em Encruzilhada, faixa que abre o CD com arrepiante cântico para Exu.
Reunidos no estúdio de andré t, o repórter quer saber o que diz o cântico. Rone, simpático e circunspecto em seus trajes rituais, assovia e olha para o teto, como se não fosse com ele.
O repórter insiste. Rone ri e cede. "É um cântico que pede permissão para saudar a Exu. Exu diz que o canto é bom e permite. A voz que você ouve é de Mestre Erenilton, o maior alabê da Bahia. Por isso essa música abre o disco", explica.
Crias tanto do cursinho do Instituto Cultural Steve Biko, quanto das reuniões do hip hop no Passeio Público, o trio representa, no discurso e na postura, o ideal do negro esclarecido em uma cidade cuja burguesia "branca" ainda os vê não como um exemplo a seguir, e sim como ameaça ao status quo.
"Gostamos muito de ler e buscamos escrever bem. Na escola, eu fazia questão de só tirar 10 em gramática", diz Rone.
"Essa formação veio através do movimento negro, na sede da Unegro, aonde lemos muito Cuti Silva, Lande Onawale, Agostinho Neto e o próprio Steve Biko", enumera.
"Teve uma professora, Edenice Santana, que nos incentivou muito. Ela e a galera do Unegro nos botaram para ler as biografias de Malcolm X, Martin Luther King, etc", conta Lázaro.
Esse nível de formação e consciência, aliado aos seus talentos naturais, se traduz nas letras do grupo, rendendo trechos como este, da faixa A Cura: "Sociólogos, antropólogos sempre tentando explicar/ Médicos e até biólogos tentaram inferiorizar/ Eugenia não deu certo nem para quem acreditava".
Outro dado importante para entender o Opanijé é que o trio teve contato com o hip hop em seu primeiro momento, quando o estilo ainda era uma forma de expressão periférica de contornos subversivos, e não trilha sonora para clipes "ostentação".
"Comecei a ouvir rap na virada dos anos 1980 para os 90, com o LP Hip Hop Cultura de Rua (1988), que foi o primeiro do gênero produzido no Brasil", conta o DJ Chiba.
"Depois foi Public Enemy, Run DMC, Beastie Boys. Isso mudou minha vida. Porque não era só a música, era estilo de vida, era politizado, falava de exclusão social, drogas, etc", acrescenta.
"Ô, saudade", ri Lázaro.
"O curioso é que o público ligado em rap por aqui na época era o pessoal do rock. Hoje o rock local é que quase não tem público", percebe andré t, atento ao papo.
Estrada longa
Soraia Oliveira, da Garimpo, conta que até 2007 já tinha ouvido falar no Opanijé, mas que não conhecia. "Foi Chiba quem entregou um CD demo deles para Pedro, meu sócio. Pedro me disse que era demais e que devíamos ir ao show que ia ter no Pelourinho", relata.
Depois do show, ela disse que tinha uma proposta para o trio. Levou um ano para se reunirem novamente. "Mas só começamos a trabalhar mesmo em 2009. Em 2011 passamos no edital do Fazcultura para fazer o CD. Aí sugeri o andré t", diz.
A produção do álbum levou mais dois anos, foi trabalhosa, burocrática (por conta da papelada para liberar os samplers utilizados) e envolveu um monte de convidados importantes.
Com passagens elogiadas em vários palcos do Brasil, o Opanijé é uma das maiores promessas musicais da Bahia.
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