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Mudar a meta fiscal é autossabotagem

Confira a coluna do economista Armando Avena desta quinta-feira

Publicado quinta-feira, 02 de novembro de 2023 às 05:50 h | Autor: Armando Avena
Governo debate a possibilidade de alterar a meta fiscal de 2024
Governo debate a possibilidade de alterar a meta fiscal de 2024 -

“Eles não aprendem nada e não esquecem nada”. A frase do célebre político francês Talleyrand dirigida à dinastia dos reis Bourbons, que repetia os mesmos erros ao longo de gerações, cai como uma luva sobre o que aconteceu com o Brasil esta semana. A economia brasileira está dando um salto em 2023, registrando um desempenho como não se via há anos. Como deu início ao aumento das taxas de juros antes dos demais países, controlou mais rapidamente a inflação, que está em processo de queda contínua. Com a inflação sob controle, o país registrará esse ano a menor taxa de desemprego em quase dez anos e o PIB deve crescer em torno de 3%. 

É um resultado muito bom, a ponto da presidente do conselho do Santander, Ana Botín, afirmar que o Brasil estava caminhando para entrar em um “círculo virtuoso” como não se via há muitos anos, em um ambiente de juros em queda e reformas andando, como a tributária. Esse bom desempenho foi alcançado porque a equipe econômica do governo Lula, capitaneada pelo Ministro Fernando Haddad, montou uma política consistente e aprovou uma regra fiscal que acalmou o mercado e fez as agências internacionais de risco elevarem a nota de crédito do país.  É verdade que o arcabouço fiscal em vigor é frágil, está fundado no aumento de receitas e no estabelecimento de uma meta de déficit zero, que os economistas sabem ser de difícil execução. Mas é apenas uma meta, um horizonte a ser alcançado, semelhante às metas de inflação. 

Atingir a meta no alvo não tem muita importância, o que importa não é o número fixo, mas a tendência e o objetivo a ser perseguido, que pode ser alcançado no ano de 2024 ou nos seguintes. A dificuldade de alcançar a meta é óbvia, até porque houve queda na arrecadação nos últimos três meses e uma certa erosão da base tributária, pois o Congresso continua criando benefícios para determinados setores da economia.  Mas não era necessário tocar nesse assunto agora, afinal a queda da arrecadação é momentânea – cai quando a inflação cai –  e, se o crescimento econômico se mantiver, ela tenderá a crescer novamente. Além disso, Haddad continua em sua cruzada para aumentar as receitas, um movimento factível se for aprovado o projeto que taxa investimentos offshore e fundos exclusivos e que aumenta a tributação de grandes empresas que possuem benefícios fiscais estaduais. Além disso, em 2024, se se constatasse que seria inviável atingir o déficit zero, o governo adotaria outras medidas ou faria um contingenciamento, como é feito em todos os países do mundo, inclusive os desenvolvidos, pois a maioria deles tampouco alcança déficit zero. 

Tudo está desenhado para que o Brasil entre num círculo virtuoso de crescimento, como previu a presidente do conselho do Santander, mas aí, a prioridade política, assustada com a hipótese de o governo ter de reduzir os gastos em ano eleitoral, resolveu atropelar a economia.  “Eles não aprendem nada e não esquecem nada”. Já passamos por isso outras vezes, já liberamos os gastos em obras e deu no que deu.  O atropelo fiscal pode desestruturar a economia – não por causa da declaração do Presidente Lula, afirmando que o déficit fiscal em 2024 dificilmente será zero, o que é verdadeiro –, mas se for levado a cabo a ideia, desnecessária neste momento, de mudar a meta fiscal. Esse movimento traria insegurança ao sistema econômico, abriria a porteira dos gastos, seria um pretexto para o Banco Central endurecer a política monetária e enfraqueceria o Ministro Fernando Haddad, que hoje é o pilar fiscal da economia.

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