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Confira entrevista com presidente do Ibrades sobre sustentabilidade

Na entrevista, Georges Humbert defende ainda uma visão sem radicalismos da área ambiental

Publicado segunda-feira, 15 de abril de 2024 às 15:22 h | Autor: Divo Araújo
O assunto norteará o II Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, evento que acontece em maio, em Salvador
O assunto norteará o II Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, evento que acontece em maio, em Salvador -

Uma visão multifacetada, com atores das mais diferentes áreas, é a melhor forma de entender, desenvolver e preservar o meio ambiente. Isso é o que prega o advogado e professor Georges Humbert, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades). E é o que norteará o II Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, evento que acontece em maio, em Salvador, com presença de ministros, parlamentares, cientistas, empresários, produtores rurais, advogados, entre outros.

“Percebemos que não havia uma conversa do Direito com outros setores importantíssimos para a sustentabilidade”, explica Humbert, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE – que  apoia o evento junto com a Associação Comercial da Bahia (ACB). “E a gente fez isso, trazendo para discutir sustentabilidade, profissionais ligados à economia, ecologia e ciências sociais, dentre outras áreas”.

Na entrevista, ele defende ainda uma visão sem radicalismos da área ambiental e diz que o Brasil está à frente da maior parte do mundo quando se fala em preservação de florestas e uso de energias renováveis. Acompanhe tudo a seguir.

Salvador sediará em maio o II Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, evento que contará com a presença de autoridades dos três poderes, cientistas, empresários, produtores rurais e advogados. Porque esse tema – Direito e sustentabilidade – mobiliza tanto?

A primeira análise que a gente precisa fazer é que houve uma percepção minha e de mais de 400 associados ao Ibrades que não havia uma conversa do Direito com outros setores importantíssimos para a sustentabilidade. E o Direito ordena as relações das empresas com o meio ambiente, licenciamento, auto de infração, multa, embargo, crédito de carbono, tributação sustentável. Isso sem falar nos aspectos econômicos, os impactos regulatórios, aspectos sociais, moradia, lazer, habitação, geração de emprego, circulação de pessoas, arquitetura, urbanismo, biologia, geologia. Nós percebemos que, para chegar a melhores resultados, era preciso fazer um entrelaçamento dessas diversas ciências. E a gente fez isso, trazendo para discutir sustentabilidade, profissionais ligados à economia, ecologia e ciências sociais. Porque se a gente só colocasse o operador do Direito - juiz, promotor, defensor público, procurador, advogado, estudante - não ia conseguir expandir a noção de sustentabilidade. Daí surgiu a ideia de primeiro, fazer o instituto. E a gente pegou a bicentenária Associação Comercial e o jornal A TARDE, como parceiros, para difundir esse conceito de Direito e Sustentabilidade. Depois de três anos de tratativas e estudos, realizamos nosso primeiro congresso justamente com essa premissa e trazendo todos esses segmentos para tratar de Direito e sustentabilidade. Do agricultor ao empresário do agronegócio. Do juiz ao promotor, ao advogado. Do ministro ao secretário municipal. Enfim, decidimos fazer uma coisa multifacetada e tem produzido bons resultados. No último congresso, a gente teve uma participação de mais de 600 pessoas.

Seguindo essa lógica, o evento tratará de temas diversos, a exemplo do agronegócio sustentável, sustentabilidade energética, economia verde, marco temporal, mercado de carbono. Dentre todos eles, quais na avaliação do senhor despertam hoje mais atenção?

O tema geral é o equilíbrio entre social, economia e ecológico e caminhando todos pela segurança jurídica. Um grande gargalo do Brasil para todos esses segmentos é a segurança jurídica. Em um dia você dorme com uma obrigação, no outro acorda com uma novidade e tem que refazer tudo. Isso atrapalha investidores, atrapalha a geração de emprego, atrapalha a própria proteção do meio ambiente. Partindo desse contexto, a gente separou grandes temas que estão na ordem do dia. Você citou alguns deles, mas se tivesse que destacar dois seria a transição energética, que está muito em voga, e o agronegócio, que vai ter um painel específico e vai  estar em temas pulverizados. São dois ativos muito importantes do Brasil e que precisam ser valorizados. Tanto o agronegócio quanto a energia brasileira são consideradas as das mais sustentáveis do planeta.  A Bahia é protagonista tanto na área de energia renovável quanto no agronegócio. Tem um espaço no evento que também merece destaque. É a sala A TARDE, que vai trazer um dia de práticas sustentáveis, saindo um pouco do debate teórico. O espaço vai trazer as realizações práticas de empreendedores, juristas, produtores, de trabalhadores e do poder público também. E terá outro dia sobre economia do mar. 

O senhor tem uma longa trajetória na área de direito ambiental com cerca de 25 livros publicados. E defende que o problema ambiental do Brasil está nas cidades. Com tantos problemas de desmatamento, porque devemos focar nas áreas urbanas?

Para ter uma resposta mais clara, basta verificar que a Amazônia, que hoje é pauta internacional, tem 82% do bioma preservado. Mais do que isso, intocado. Fora o que está em uso equilibrado. É claro que existe o uso desequilibrado, ilícito, que são coisas diferentes. Aí falo do desmatamento criminoso, sem licença, sem autorização; aquela queima sem planejamento. Mas o ato de supressão da vegetação e da queima controlada é até necessário para combater pragas e preservar os biomas. A gente concentra tanto esforço na Amazônia e não fala tanto, por exemplo, da Mata Atlântica. Que, ao contrário da Amazônia, só tem 7% da vegetação original. Somos algozes da Mata Atlântica? Não, na verdade ele é um bioma que fica no litoral. E nossa colonização de exploração foi toda feita no litoral. A Mata Atlântica está nas áreas urbanas, por causa da história de progresso do país. E hoje quase 90% das pessoas vivem nas cidades. Apesar do apelo afetivo da Amazônia, a grande degradação ambiental está nas cidades. Porque o impacto ambiental não é só na natureza. O Brasil hoje tem mais de três mil lixões. No lixão você encontra as pessoas que não estão vivendo do lixo. Porque viver do lixo é importante, o lixo é renda. É possível fazer dele negócio, dinheiro, reciclar e armazenar também o que não é possível de forma adequada. Mas eu vi pessoas que vivem no lixo e com o lixo. Literalmente dentro do lixo e com, porque come o que sobra do lixo. É uma situação altamente degradante. Isso tem um impacto ambiental imensurável.

Como Salvador e a Bahia estão nesta questão de aterros sanitários e saneamento?

Salvador tem implantado, nos últimos anos, algumas medidas de contenção e de reparação. Pode ser melhor? Pode, mas a cidade está num rumo assertivo nesse sentido. Não tem mais lixão, por exemplo. Foi uma grande conquista, mas a cidade precisa melhorar na parte de coleta e destinação seletiva dos resíduos. É preciso financiamento para isso. Talvez uma parceria público-privada para que Salvador qualifique a sua gestão de coleta seletiva e de resíduos sólidos, principalmente no que se refere à economia circular. Falo de TV, computador, sofá, geladeira.... Tem que ter uma coleta seletiva para esses bens. E o fornecedor tem um ônus pela lei de políticas de resíduos sólidos. É necessário assentar isso a várias mãos - poder público, Ministério Público, sociedade civil organizada, empresários - para melhorar essa questão da gestão de resíduos. Em saneamento, é o Estado que toca. A empresa estatal tem, por enquanto, a prerrogativa privativa de atuar nessa área. E a Embasa tem expandido não só em Salvador, mas na Bahia os investimentos em infraestrutura. Mas a gente sabe que essa é uma dificuldade de todo setor público. Espero que a Bahia siga o exemplo do Rio de Janeiro, que fez a privatização de parte da empresa pública, e vai injetar só nos próximos anos R$ 8 bilhões em investimento. O Rio já saiu da situação de caos, que a Bahia não chegou ainda, para uma realidade muito melhor. Inclusive na Baía de Guanabara, que já foi a mais poluída do mundo e hoje já é possível até nadar lá. Estive no Rio de Janeiro recentemente e vi as pessoas, as crianças velejando, mergulhando naquela baía maravilhosa. 

O senhor defende a educação como principal pilar para o desenvolvimento de uma cultura de sustentabilidade e proteção ao meio ambiente. Como o Brasil está neste quesito?

Essa é uma bandeira que levanto desde que estava na universidade. Tem melhorado e vejo isso na prática, através dos meus filhos e dos colegas deles. Eles sabem muito mais sobre economia circular, sobre coleta seletiva e já estão condicionados a não serem poluidores como nós fomos. Mas a gente precisa ainda que as políticas da educação ambiental, tanto a federal, estaduais quanto as municipais, saiam do papel. Apesar de ser algo complexo, não é caro e não é difícil. A sociedade está muito mais preocupada com a queima da Amazônia, emissão de gases de efeito estufa, aquecimento global, mudanças climáticas, do que saber se as crianças, os adultos e os idosos estão sendo educados para não serem agentes potenciadores desses males. Quando você educa ambientalmente, você não vai precisar de tanto licenciamento, tanto embargo, multa. Enfim, de tanta solução drástica na matéria mental porque você vai ter muito menos impacto, muito menos agentes em grau de poluição elevado.  E aí o grupo A TARDE entra como o nosso parceiro do Ibrades. Em breve, vamos anunciar algumas parcerias mais profundas. O Grupo tem o A TARDE Educação, que está indo para um viés da educação socioambiental. Tivemos conversas com o presidente do jornal, João de Mello Leitão, e o diretor de Relações Institucionais, Luciano Neves. E tudo indica que esse programa, que já é muito bom, a gente possa fazer com que ele alcance mais escolas e as universidades, os agentes públicos e toda a sociedade. 

O senhor vem se posicionando contra radicalismo na área ambiental. Qual é a melhor solução para um ambiente sustentável?

Há muita demonização de alguns setores do país na área ambiental. Falo da indústria, do agronegócio, da energia nuclear, do gás. Muitas vezes por ignorância, muitas vezes por lobby, uma pressão interna e externa na disputa de mercado. A realidade é que o Brasil é um país sustentável, mais que a maioria do mundo e certamente do que todos do G-20 e dos Brics, por exemplo. Há extremismo também no lado da produção. Tem empresário que não quer respeitar nenhuma norma. Mas isso já é muito explanado. A gente tira das sombras iniciativas assim. Mas a gente precisa trazer também a luz para o outro lado, que é o extremismo daqueles que se arvoram em serem defensores do meio ambiente. Isso pode ser visto muitas vezes no institucional, o Ministério Público, deputados, membros do Poder Executivo, ministros, juízes, advogados, como também no da sociedade organizada, ONGs. Por exemplo, hoje Belo Monte é responsável por garantir a energia sustentável do país e a produção termoelétrica a segurança energética. É uma união de fontes para que o país não entre em falta de segurança energética. Sem segurança energética, não tem segurança alimentar e não tem vida digna, não tem emprego, renda, não tem o mínimo de condições de viver. O Brasil hoje tem 82% de fontes de matriz renováveis. Quando se fala no mundo em transição energética, o Brasil já fez essa transição. Nós temos 48% de fontes renováveis, que já é um alto nível. A Europa tem em média de 10% de renováveis como fonte e 4% de uso. O Brasil é protagonista. Os Estados Unidos são um pouco melhores que a Europa. A China não precisa nem dizer.

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