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Publicado sábado, 25 de março de 2006 às 00:00 h | Autor: JORNAL A TARDE

Hermann Cohen, judeu convertido pela Eucaristia



Pereira de Sousa




Na Revista de Espiritualidade 64 (2005), 343-385, vem artigo maravilhoso sobre a conversão de Hermann Cohen, conhecido popularmente como padre Hermann. O que mais edifica é ver a graça de Deus a agir neste homem, músico famoso e que encontrou uma vez com Liszt. Na casa de George Sand, com 14 anos, aprende toda as correntes filosóficas e espirituais daquele tempo. Algumas destas se organizam em igrejas e se apresentam como alternativas ao cristianismo.



Já noviço do Carmelo, escreve sobre o que se passava nos salões de Paris e que as sociedades ímpias pretendiam transmitir todas as espantosas doutrinas panteístas, ateísmo, fourierismo, sintsimonismo, socialismo, sendo defensoras da agitação a abolição do matrimônio, o terro, a repartição dos bens e o desfrute comum de todos os prazeres. Tudo isso veio com o tempo. Os ímpios de Paris tudo preparavam, como diz o noviço. Era todo um revolucionário.



Vejamos como Deus age com este seu filho. Por sugestão de Liszt, leu algumas obras filosóficas e o mesmo Liszt ofereceu-lhe uma Bíblia com a dedicatória: Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. Hermann desejou converter-se mas oscilava entre protestantismo e catolicismo.



Tais desejos se desvaneceram rapidamente. Por altura de 1847, cheio de dívidas por causa do jogo, uns 30 mil francos, que levou dois anos para pagar. A conversão deu-se de modo extraordinário. Ele mesmo a conta ao sacerdote jadeu converso, Afonso Maria de Ratisbona.



Em maio de 1847, o príncipe de Moscoa pede a Hermann que o substitua num coro que dirigia na Igreja de Santa Valéria. Aceitei por amor à arte musical e para satisfazer um favor. No ato final de bênção com o Santíssimo, experimenta “uma estranha emoção, com o remorso de tomar parte da bênção, no que lhe faltavam qualidades para ser compreendido.



Ele mesmo conta que a emoção era agradável e forte e que sentiu alívio desconhecido. Termina dizendo: vi-me obrigado a ajoelhar-me sem minha vontade. Muitas vezes sentiu essa emoção sempre que o sacerdote dava a bênção aos fiéis ajoelhados.



Terminado o mês de maio, Hermann continua indo aos domingos para assistir à santa missa. Sentiu necessidade de conhecer a doutrina cristã. Encontrou na biblioteca do amigo Adalberto de Beaumont, velho devocionário. Encontrou-se com o padre Legrand, da cúria parisiense. “Homem instruído. Modesto, bom, franco, esperando tudo de Deus e nada de si mesmo.



O contato com este sacerdote foi positivo, pois que das suas leituras tinha preconceitos contra todos os eclesiásticos como intolerantes. Este encontro de Hermann com um padre da cúria faz-me lembrar o encontro do vigário geral de Colênia com a Edite Stein. Foram homens que agiram naquelas almas de modo simples e santo. Hermann foi convidado a dar um concerto em Ems, Alemanha.



A 8 de agosto, foi ouvir missa. Sentiu a graça e começou a chorar. Confessa que, a partir de Ems, se considera cristão. Com o padre Legrand, aprofunda seus conhecimentos e recebe o batismo em 28 de agosto, Dia de Santo Agostinho. Mais tarde, funda a Adoração Noturna do Santíssimo Sacramento em Paris, a 22 de novembro, para atrair sobre a França todas as graças.




Iyá Caetana – a Mãe dos Olhos d’Água



Jaime Sodré




A trajetória do Làjoumim e do Ilê Odô Ogê, que remonta às origens do candomblé no Brasil em um ambiente adverso, é de resistência e dádiva. O culto de matriz africana firmou-se em Salvador pela necessidade da consolidação, em território brasileiro, do essencial da cultura africana, a religião, em função da sua desestruturação em território africano, fruto de contendas internas e da exploração escravocrata, que motivou a chegada à Bahia de autoridades religiosas integrantes da elite e do ambiente religioso africano.



Personalidades como Iyá Detá, Iyá Kalá e Iyá Nassô implantaram a liderança feminina na formação do culto de base africana em Salvador, associada aos líderes masculinos, a exemplo de Babá Asipá, e Bangbosê Obitikô, o sr. Rodolfo Martins Andrade, que trouxe em sua companhia cuidadoso, o seu Òsú em seu Orí, o fundamento, implemento primordial no culto a Xangô.



Destacado integrante do Reino de Oyó, Bangbosê era o acólito que carregara o Oxé, instrumento associado ao poder do orixá Xangô. Destacado conhecedor dos ritos do candomblé, Obitikô foi a presença masculina que possuía o embasamento fundamental à consolidação do candomblé no Brasil. Associado aos conhecimentos de Iyá Nassô, Marcelina Obatossí dentre outras, Bangbosê tornara-se um dos patronos dos ensinamentos do candomblé na “Nova África-Brasil”.



Do Iyá Omin Asé Airá Intilé localizado na Barroquinha, a exemplo do Ilê Asé Nassô Oká, a “Casa Branca” nasce o Terreiro Làjoumim em 1941, cuja direção competente e generosa caberia a Caetana América Sowzer, nobre herdeira da tradição e do Axé Bangbosé.



Reverendíssima Iyá Caetana, “Mãe dos Olhos d’Água”, filha de Felisberto Américo Sowzer, Oguntosi, instrutor da sua disciplina religiosa transmitida por seu bisavô, Làjoumim, assumira a lição sagrada da continuidade da tradição Bangbosé na Bahia, tendo como antecessores Maria Andrade, Sangôbiyí, esta filha dileta de Obitikó, e Felisberto Benzinho, conhecedor dos mistérios da candomblé e respeitado Babalaô.



A particularidade dos herdeiros do Bangbosê era a alternância entre o masculino e o feminino na direção do Axé. É no Terreiro de Felisberto Benzinho no Luiz Anselmo que cresce a promissora Lájoumim, a Mãe dos Olhos d’Água, Mãe Caetana, profunda conhecedora dos preceitos do Candomblé, com sensibilidade e clarividência nata para elucidação dos enigmas religiosos, o que resultou em admiração e respeito.



Elegante, em um clima de nobreza legítima, de gosto requintados refletidos em suas roupas e objetos, verdadeira “alta costura” do candomblé, na elegância típica do seu orixá, a Grande Deusa das Águas, assim era Iyá Caetana.



A fertilidade do Terreiro Làjoumim procriou o Ilê Odô Ogê, o Pilão de Prata fundado em 1963, tendo na sua liderança gentil e competente Babalorixá Air José de Souza, de Oxaguian, filho de Tertuliana Souza de Jesus, Tibusè, sobrinho querido de Mãe Caetana, responsável por sua iniciação litúrgica, um legítimo seguidor do trono da família Bangbosê e seguidor dos ritos da sua tradição.



Pai Air segue a sua missão instalando o Pilão de Prata. Com os estímulo dos irmãos da Casa Branca e o incentivo de Mãe Caetana, a direção do Làjoumim ficaria a cargo da sua sobrinha, Iyalaxé Haydée, filha dileta de Xangô.



Embora separados pelo espaço geográfico, o Pilão de Prata, situado no Alto do Caxundé, na Boca do Rio, e o Làjoumim, localizado na Rua Xisto Bahia, na Vasco da Gama, formam uma grande família digna da sua tradição.



Ampliando o seu respeitado trabalho espiritual, Pai Air empregou seus esforços na instalação do Memorial Làjoumim, fundado em 4 de novembro de 1994, em uma justa homenagem a Mãe Caetana, no período do seu primeiro Axexé.   Localizado no Ilê Ôdo Ogê, o Pilão de Prata, o memorial é composto de objetos refinados, nas categorias de sagrados, indumentárias, móveis, estatuetas, contas e colares, instrumentos musicais, incluindo um violino, elementos de variadas procedências associados ao bom gosto de Mãe Caetana, além de elementos do candomblé.



Para a consolidação da capacidade intelectual dos fiéis do Candomblé e da comunidade em geral, Pai Air idealizou e construiu a Biblioteca Làjoumim, inaugurada em 2000, na cerimônia dos sete anos de falecimento de Mãe Caetana.   Coube a Pai Air a criação da Sociedade de Preservação do Asé Bomgbosé, encarregada da administração do patrimônio material, cultural e religioso do Làjoumim e Pilão de Prata, composta de uma diretoria executiva e conselho religioso.



Recentemente, como reconhecimento do seu papel e consolidação do seu prestígio junto ao candomblé e na comunidade brasileira, a prefeitura de Salvador, na gestão de Antonio Imbassahy, inaugurou reformas no entorno do terreiro, culminando com a instalação de um monumento a Mãe Caetana, uma justa homenagem à Família Bangbosê. Bem diz o ditado popular: “Quem sai aos seus não degenera.”



Jaime Sodré é professor da Uneb e do Cefet, mestre em teoria e história da arte e doutorando em história social e xicarongoma.

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