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“Guerra Civil” é um épico visceral que tem muito a dizer

Com Wagner Moura, filme conduz o espectador a um futuro próximo em que os EUA estão em conflito

Publicado quinta-feira, 18 de abril de 2024 às 15:00 h | Atualizado em 18/04/2024, 22:54 | Autor: Edvaldo Sales
Wagner Moura interpreta o jornalista Joel em “Guerra Civil”
Wagner Moura interpreta o jornalista Joel em “Guerra Civil” -

Vender um filme de guerra não é difícil. Uma peça publicitária bem editada, com as falas certas, um som impactante, troca de tiros, explosões, correria, uma frase de efeito forte estampada na tela e pronto: o público já fica instigado. No entanto, o que não falta são exemplos de trailers que “prometem” uma coisa e o longa entrega outra, o que pode revoltar aqueles que não se permitem ser surpreendidos na sala de cinema.

Posto isto, “Guerra Civil”, nova produção da A24, que estreia nesta quinta-feira, 18, provavelmente, não vai agradar quem espera que uma cartilha de regras convencionais de um grande blockbuster de ação seja seguida, como indica o material de divulgação do mesmo. Mas, definitivamente, essa não é a proposta do diretor e roteirista Alex Garland. E que bom.

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Consagrando-se como um dos melhores cineastas da sua geração, Garland chega ao seu quarto filme após ter dirigido o excelente “Ex Machina” (2015), o inquietante “Aniquilação” (2018) e o perturbador “Men” (2022). Dessa vez, após passar pela ficção científica e o horror cósmico, ele se aventura por um dos gêneros mais queridos da sétima arte e conduz o espectador a um futuro próximo em que Estados Unidos estão em conflito. Na história, 19 estados se separaram da União, e há um embate entre as Forças Ocidentais do Texas e da Califórnia e o poderio militar do governo federal estadunidense.

Com o país imerso no caos, a fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst), os jornalistas Joel (Wagner Moura) e Sammy (Stephen Mckinley), e a jovem Jessie Cullen (Cailee Spaeny), que sonha em ser uma fotógrafa de guerra, partem em uma jornada perigosa e sangrenta de Nova York até a Casa Branca, em Washington D.C., com um objetivo: entrevistar o presidente.

Para qualquer diretor, conseguir definir uma assinatura e fazer com que a sua maneira de trabalhar seja imediatamente reconhecível é louvável. De Tim Burton, Quentin Tarantino e Wes Anderson, aos mais novos como Jordan Peele (“Corra!” e “Nós”), não são raros aqueles que se destacam nesse sentido. E Garland é um deles. Ele conseguiu demarcar o seu próprio território ao construir uma filmografia – ainda curta, mas eficiente – com produções que exigem discussões devido aos temas abordados, às suas reflexões filosóficas e aos questionamentos existencialistas. “Guerra Civil”, apesar de ser o trabalho mais fora da curva da trajetória do inglês até agora em termos de grandiosidade, possui elementos já estabelecidos por ele.

Portanto, não seria errado afirmar que o diretor fez um épico de guerra à sua maneira. Com uma direção criteriosa, ele conduz o filme com muito controle e ciente do que quer passar com as escolhas narrativas que faz. Ao apostar em um tom quase documentarista em alguns momentos, ele confere uma verossimilhança impressionante ao longa. Isso é reforçado por certos enquadramentos e movimentos de câmera.

Por falar em enquadramento, um dos elementos que mais chamam atenção em “Guerra Civil” é como algumas cenas são acertadamente construídas de forma simétrica, com objetos ou personagens alinhados de maneira precisa – algo que Garland já havia feito em seu filme anterior, o já citado “Men”. Essa escolha é interessante porque cria um contraste bacana com a urgência que cresce gradativamente, mas não impede as cenas de “respirarem”.

Nas mãos de um diretor menos competente, por exemplo, uma das melhores sequências de “Guerra Civil”, na qual três personagens negociam a soltura de dois reféns com um militar, meticulosamente interpretado pelo ótimo Jesse Plemons (Ataque dos Cães), não teria metade da tensão que Garland consegue construir. Além disso, esse equilíbrio é cuidadosamente reforçado por momentos contemplativos, mas com uma carga dramática muito forte e com um visual deslumbrante, resultado da parceria de longa data entre o cineasta e o diretor de fotografia Rob Hardy, o qual também é responsável pela cinematografia de “Missão: Impossível – Efeito Fallout”. Isso é evidenciado pelos takes aéreos e especificamente por uma sequência estupenda em que os protagonistas passam de carro por uma floresta em chamas com fagulhas de fogo por todos os lados.

Jesse Plemons tem cena curta, mas marcante, em “Guerra Civil”
Jesse Plemons tem cena curta, mas marcante, em “Guerra Civil” |  Foto: Divulgação

A maestria de Alex Garland se estende para as sequências de ação, as quais ele conduz de maneira impecável e coloca o espectador no meio do conflito com a câmera sempre posicionada estrategicamente. Ao fazer isso, o diretor torna a experiência mais imersiva. Um detalhe que fez toda diferença é que, para garantir que as cenas de combate refletissem a realidade, o diretor contou com a ajuda do conselheiro militar Ray Mendoza, ex-membro da marinha norte-americana.

O resultado, é claro, não poderia ser melhor. Os atores se movimentam quase como um balé em um cenário bélico. É interessante observar como até mesmo as câmeras utilizadas pelas fotojornalistas são manuseadas quase como armas também, mas que não atiram, e sim registram o horror para que, posteriormente, outras pessoas tirem suas próprias conclusões. Além disso, outro ponto alto é a montagem de Jake Roberts (A Qualquer Custo), que acrescenta de maneira inteligente no filme as fotos tiradas pelas personagens de Kirsten Dunst e Cailee Spaeny. É uma escolha que enriquece a narrativa e contribui para elevar o impacto de algumas mortes.

Entre os aspectos técnicos, no entanto, o que mais se destaca em “Guerra Civil” é a edição de som. Os tiros e as explosões são aterrorizantes e atribuem visceralidade à produção, sem permitir que os personagens e o público esqueçam que uma guerra está acontecendo e que eles estão imersos nela. Para chegar a esse resultado, os profissionais usaram armas que atiravam tiros de festim e gravaram os sons da forma mais fiel que conseguiram, segundo Garland, que falou sobre o assunto em entrevista ao Slash Film.

Soma-se a isso a trilha sonora grandiosa, imponente e pontual de Geoff Barrow e Ben Salisbury, que engrandece ainda mais cenas específicas – como uma que o personagem de Wagner Moura (Tropa de Elite) tem o barulho do seu grito abafado por uma música que fica cada vez mais alta e causa um desconforto proposital. Mas, tão importante quanto a trilha, é a ausência dela também. E o longa exemplifica essa afirmação durante os seus 109 minutos de duração com situações em que apenas diálogos são suficientes para criar tensão.

Wagner Moura entrega uma atuação impactante
Wagner Moura entrega uma atuação impactante |  Foto: Divulgação

Antes de iniciar sua carreira como diretor, Alex Garland escreveu “Extermínio” (2002), “Sunshine – Alerta Solar” (2007) e “Dredd” (2012). Depois, ele mesmo passou a levar para as telas suas próprias histórias. Essa bagagem ajudou o cineasta a encontrar o seu próprio estilo, isso reflete no roteiro de “Guerra Civil”, principalmente no que diz respeito aos dilemas com os quais os seus personagens se defrontam. Se em “Ex-Machina” essas questões circulavam em torno da relação entre humanos e máquinas, o foco aqui é como as pessoas reagem, de maneiras diferentes, após presenciaram – e registraram – diversos horrores de uma guerra. Só que, ao invés de soldados, os protagonistas são profissionais da imprensa.

E Wagner?

Existem limites para conseguir a foto ou a história perfeita? Qual o momento de abaixar a câmera? Vale a pena dedicar a própria vida a uma jornada que pode te levar à morte? Existe um sentido nisso? Esses são alguns dos principais questionamentos levantados pelo filme e permeiam, principalmente, a relação entre Lee Smith e Jessie Cullen, interpretadas, respectivamente, por Dunst e Spaeny. A primeira é uma fotojornalista premiada e reconhecida pelo seu trabalho na cobertura de conflitos, mas que é assombrada pelas lembranças horríveis do que presenciou nesses eventos. A segunda é uma jovem que enxerga em Smith uma referência e se espelha nela.

A dinâmica entre elas ganha contornos interessantes devido à falta de paciência e à exaustão de uma, que carrega as sequelas psicológicas de um passado traumatizante – mas que se recusa a deixar de viver a adrenalina de um zona de guerra – e à insistência e a inocência da outra que quer se provar a todo momento, mas passa descobrir que a realidade é muito mais brutal do que ela sequer já imaginou.

Nesse cenário, o Joel de Wagner Moura, é escrito por Garland, inicialmente, como um alívio cômico, mas logo fica claro que isso é parte essencial da personalidade do personagem, o qual é um correspondente de guerra que sente prazer ao ingressar em uma warzone. Fez falta, entretanto, mostrar o que o levou a se tornar um war junkie (viciado em guerra, em tradução direta), através, por exemplo, de flashbacks curtos que mostrasse um pouco o passado dele e como surgiu esse fascínio, assim como foi feito com Lee Smith e seus traumas. Mas, ainda assim, as nuances do Joel não deixam de ser interessantes.

O roteiro não se preocupa em explicar as razões ou contextualizar a guerra e foca mais no grupo de jornalistas, seus dramas e na missão. Ao longo do filme quase nada é dito ou mostrado sobre o que levou ao conflito além do que já está na sinopse. São informações que fazem falta e essa ausência deixa na superficialidade alguns temas que são apresentados, como a polarização. Por outro lado, o texto desenvolve bem a relação entre os personagens e coloca em evidência o papel do jornalismo e, principalmente, da fotografia. O roteirista mergulha nesses assuntos e coloca em destaque também o quanto os profissionais dessas áreas são, constantemente, expostos a riscos enormes e podem ter as suas vidas negativamente transformadas em prol da história perfeita - seja ela escrita ou fotografada.

Roteiro desenvolve bem a relação entre as personagens da Kirsten Dunst e da Cailee Spaeny
Roteiro desenvolve bem a relação entre as personagens da Kirsten Dunst e da Cailee Spaeny |  Foto: Divulgação

Kirsten Dunst e Wagner Moura são as estrelas de “Guerra Civil”. A eterna Mary Jane entrega uma performance impressionante, carregada de camadas, nuances e que chama atenção pelos pequenos detalhes. O carismático intérprete do Capitão Nascimento de “Tropa de Elite”, que também é formada em Jornalismo e ganhou notoriedade internacional após dar vida ao traficante mexicano Pablo Escobar na série “Narcos”, da Netflix, é responsável por uma atuação mais expansiva, que vai com certa facilidade do humor para o trágico. Já Cailee Spaeny encarna bem a aprendiz insistente e imprudente que precisa ser lapidada. Por fim, Stephen Mckinley se sai bem como o jornalista veterano e experiente que pode não aguentar mais pular cordas, mas consegue salvar os amigos de uma situação de perigo.

Quando se trata de fazer um filme de guerra, a aposta pode ser arriscada, pois os aficionados por esse gênero já têm uma vastidão de títulos disponíveis e prontos para serem conferidos. Fazer algo que se destaque dos demais e que tenha suas particularidades é um dos caminhos. E foi exatamente esse que Alex Garland decidiu seguir. “Guerra Civil” é um filme com assinatura e que foge, na maioria das vezes, dos apelos hollywoodianos, mas não deixa de ser também um épico visceral – e que tem muito a dizer.

“Guerra Civil” chega aos cinemas do Brasil nesta quinta. Confira sessões no Cineinsite A TARDE.

Assista ao trailer:



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